sábado, 15 de outubro de 2011

Carta aos Desanimados



Durante a caminhada da vida há momentos em que as cores passam a alternar apenas entre tons opacos e sombrios. O que antes despertava paixão, agora parece um fardo. O que encantava o coração torna-se um peso. A alegria é substituída pela apatia, o ardor pela dúvida, a disposição pela desesperança.

Há diversas causas para o desânimo profundo, tanto as biológicas quanto as emocionais e espirituais. Há aqueles que perdem o sabor pela vida a partir das tragédias que se abatem sobre seus dias. A perda de um parente, o desemprego que chega, o casamento que se desfez ou o filho que parece não voltar. Outros perdem a alegria devido a gatilhos mais biológicos, de enfermidades físicas prolongadas ou crises de ansiedade, estresse, depressão e síndromes que teimam em permanecer. Há também os que se encontram desanimados pelo próprio distanciamento do Pai. A vida devocional e os assuntos do Alto já não fazem parte de sua rotina. Não há tempo para orar, ler a Palavra ou cultuar a Deus. O resultado, cedo ou tarde, é o sofrimento e o desânimo da alma.

Um dos cenários bíblicos mais angustiantes que aparenta total exaustão e profundo desânimo se passa com Davi. O desfecho foi surpreendente e o que aconteceu com ele pode acontecer conosco.

Davi é um exemplo de inscontância humana como talvez nenhum outro personagem na Palavra. Foi guerreiro implacável e na força de Deus derrotou o gigante Filisteu. Por outro lado adulterou com Bate-Seba e traiu Urias, um de seus leais soldados. Reconstruiu Jerusalém que passou a ser chamada cidade de Davi, porém magoou seus filhos e foi um desastre como pai. Era temente ao Senhor e foi chamado homem segundo o coração de Deus, entretanto, em sua família houve incesto, assassinato, mentiras e traição. Talvez a inconstância tenha sido uma das principais marcas da trajetória deste servo de Deus.

Entre montanhas e vales ele chegou a um dia, dentre tantos, que o tomou por completo e exaustivo desânimo. No retorno de uma cansativa batalha, ele encontrou Ziclague, a cidade que habitava, saqueada e destruída. Todas as mulheres e crianças haviam sido levadas cativas. A cidade era um monturo de cinzas. Seus homens e amigos leais, agora amargurados, falavam em apedrejá-lo. E ali se encontra Davi, caído, sem consolo e esperança vendo suas forças faltarem. Não apenas forças físicas, mas as forças da alma. Talvez tenha sido um dos raros momentos em sua história que ele se enxerga sem ação.

Mas algo inesperado acontece com aquele homem caído. Diz a Palavra que “Davi se reanimou no Senhor seu Deus”. Esta frase, encontrada no primeiro livro de Samuel, capítulo 30, verso 6, revela-nos uma das mais poderosas ações de Deus na vida de seus filhos: levantar-nos quando tudo parece perdido; abrir o caminho quando não sabemos para onde ir; dar-nos perseverança quando a vontade é parar.

O que mais me intriga é que este “reânimo” veio absolutamente do Senhor, pois não havia ali elementos de esperança. Seu coração fraquejou, seus amigos lhe faltaram, as forças físicas estavam consumidas. Porém, ali, ele “se reanimou no Senhor seu Deus”.

E, reanimado, se levantou. Davi perseguiu os amalequitas com alguns de seus homens, tomou de volta as mulheres e crianças e ainda o despojo que partilhou entre todos. Reconstruiu a cidade e habitou nela. Recuperou o respeito de seus homens com o brilho de quem um dia iria reinar sobre todo Israel.

O reânimo é uma experiência íntima e profunda, que se passa de forma diferente na caminhada de cada um. Se os cenários de nossas vidas são distintos, bem como aquilo que nos abate, a fonte do nosso reânimo é a mesma: o Senhor nosso Deus.

Percebo que os conflitos relacionais e a crítica interpessoal são dois frequentes causadores de profundo abatimento de espírito. Perante estes, muitos gigantes da fé já foram nocauteados e perderam o fôlego. Se é este o seu caso talvez você se sinta, de alguma forma, como Davi naquele dia. Após voltar de uma batalha em que lutou lado a lado com seus homens, e juntos prevaleceram, agora estes falam em apredrejar-lhe. A crítica possui a capacidade de gerar ansiedade crônica na alma humana. Se não for tratada, ela passa a ser o seu último pensamento ao dormir e o primeiro ao acordar. Ela faz o seu coração disparar perante a simples lembrança do comentário que foi lançado contra você. Talvez um dos instrumentos de maior abatimento nas relações humanas seja, justamente, a crítica. Perante ela há uma escolha – infeliz – de alimentar o rancor no coração e jamais se esquecer. Isto o levará a uma trilha na qual você perderá a brandura e o amor. Você não será mais o mesmo. A outra escolha – feliz – é de entregar ao Senhor aquilo que você não pode resolver, responder ou apagar... e descansar. A reação do Alto será a mesma que visitou Moisés no deserto, Elias na caverna e Davi em Ziclague: Deus o reanimará.

É preciso lembrar que o Senhor nos criou com corações ensináveis. Assim, devemos sempre nos lembrar daquilo que nos traz esperança. A esperança cura a alma e prepara o espírito para o que Deus fará. Podemos a cada dia orar pedindo que nossa vida não se torne um poço de ressentimentos, que não fiquemos para sempre caídos, que o desânimo – seja físico, emocional ou espiritual – não nos derrote. Podemos rogar que aquilo que - de forma fantástica - aconteceu com Davi em Ziclague, aconteça também conosco: sermos reanimados pelo Senhor nosso Deus!
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Ronaldo Lidório, doutor em antropologia, é missionário da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais e da Missão AMEM. É organizador de A Questão Indígena -- Uma Luta Desigual

Fonte: Ultimato

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