sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Você chama isso de relacionamento?


Acabei de dar uma espiada na minha caixa postal de emails. Concentrei a atenção nos emails recebidos. A lista é imensa, classificadas em categorias do tipo:


. não lidos


. lidos e esquecidos


. lidos e com resposta pendente


. não sei porque ainda estão aqui


. não faço ideia do que se trata


. não sei quem é essa pessoa


. o que é que eu tenho a ver com isso


. meu Deus do céu, como deixei passar isso


dentre outras.


A maioria classificada na categoria:


. baixou, não posso ler ou responder agora, faço isso depois, esqueci porque baixaram mais, e agora não sei o que fazer com isso


Evidentemente me senti péssimo por deixar algumas pessoas sem resposta. Lamentei profundamente esse vácuo dos relacionamentos e comecei a pensar coisas do tipo:


. acho que isso já foi resolvido sem a minha ajuda


. cansou de esperar a minha resposta


. como será que as coisas se resolveram, se é que se resolveram


. será que ainda posso fazer alguma coisa


. o que é que as pessoas pensam de mim


. nossa, deve estar pensando que eu sou inacessível


O sentimento que me invadiu foi um misto de vergonha, culpa, e indignação. Na verdade um mistura de sentimentos que somados dá qualquer coisa muito ruím. Mas não me dei por vencido e me dediquei a fazer o que geralmente faço quando estou em apuros: pensar. Aprendi com Jesus: o antídoto contra a ansiedade é a reflexão – pare e pense, veja se o que você está sentindo é racional e justificável. Foi essa a recomendação que ele fez aos ansiosos: preste atenção nos passarinhos e nas flores, e veja se a sua ansiedade tem algum fundamento razoável, isto é, veja se faz sentido você se sentir desse jeito.


Foi então que me surgiram alguns insights, suficientes para que eu consiga ir para a cama um pouco mais leve, já que já passa das dez da noite e acabaram de chegar mais dezessete emails em minha caixa postal.


Considere comigo. Há apenas alguns anos, caso uma pessoa desconhecida ou de relacionamento distante desejasse falar com você, tal pessoa deveria (1) esperar até conhecer você pessoalmente e receber de você seu telefone de contato, momento quando você escolheria se iria informar o telefone particular ou de trabalho, ou (2) acessar você através de uma pessoa conhecida, um amigo comum por exemplo, ou então (3) fazer contato ligando no seu local de trabalho para encaminhar assuntos profissionais. Mas as redes sociais abriram um acesso de relações jamais imaginado e impossível de ser controlado.


O celular deixa você à distância de alguns toques no teclado e você recebe torpedos desnecessários com comentários bobos de gente que se julga íntima. O twitter (quem mandou ter twitter?) faz surgir em suas mentions comentários do tipo “chupa @edrenekivitz” logo em seguida ao primeiro gol do Corinthians num jogo em que os gambás tomaram de 3. Desconhecido o remetente, não respondi, até porque não gosto de bater em bêbado.


Mas o sério mesmo é o email. Os maiores culpados são os caras que desconhecem o significado daquele CCo na terceira linha do cabeçalho do email a ser enviado. Recebo um sem número de emails circulares com cópias abertas, e fico sabendo do email de um montão de gente com quem não tenho qualquer contato pessoal. Caso os emails coletivos fossem enviados com Cco, isto é, cópia oculta, minha privacidade e a dos meus pares seria protegida. Mas em tempos de www. privacidade é algo ultrapassado.


Outro dia mesmo eu estava almoçando na residência de uma família amiga e alguém me fotografou à mesa para postar no seu facebook ou twitter, sem a menor preocupação em saber se eu queria que minha vida privada fosse compartilhada com seus quatrocentos e vinte e sete “amigos”.


O email e o twitter substituiram o contato pessoal. Isso signfica que antigamente o número de pessoas com quem teríamos algum contato que demandaria resposta cabia na agenda diária. Algo semelhante ao que acontece com os médicos. Você deseja uma consulta com o Dr. Fulano De Tal? Marque uma consulta. Caso ele não possa atender você nessa semana, aguarde o próximo horário disponível, pois o Dr. Fulano De Tal só consegue atender oito pessoas por dia. Mas imagine que o e-mail do Dr. Fulano De Tal fosse público e que em média ele recebesse 40 mensagens de possíveis pacientes contendo relatos de situações pessoais com descrições de sintomas e histórico de exames e tratamentos aos quias já se submeteram. Imagine também que alguns desses constassem URGENTE no campo Assunto do cabeçalho do email. Certamente chegaria o dia quando o Dr. Fulano De Tal olharia sua caixa postal e se daria conta de centenas de mensagens pendentes não respondidas e algumas inclusive sequer lidas. E provavelmente seria invadido por um peso imenso, pensando no destino de cada um dos pacientes que fizeram contato virtual.


Foi o que aconteceu comigo hoje.


Ed René Kivitz

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